O texto abaixo reproduzido foi publicado no blog Doa a Quem Doer e gentilmente cedido para reprodução pelo irmão Georges administrador do blog, a leitura do mesmo, me fez refletir sobre o movimento evangélico e a Igreja no brasil atual à luz da Reforma Protestante. Boa Leitura a todos!
Há algum tempo tive o desejo de escrever
algo sobre o aniversário de 500 anos da Reforma Protestante. Meio milênio
atrás, Martinho Lutero pregou suas famosas “95 teses” na porta de uma igreja no
interior da Alemanha e mudou a História da civilização ocidental. Mas acabei
desistindo da empreitada por absoluta falta de tempo e porque inúmeros outros
autores também se dedicaram a esse tema.
A maioria deles, devo dizer, foi superficial. Limitaram-se a fatos já
conhecidos e a dizer “que bom que hoje podemos ter a liberdade de estudar a
Biblia” e por aí vai. Ficou nisso.
Também há algum tempo eu vinha pensando sobre a razão de o protestantismo
evangélico estar hoje tão distante dos ideais dos reformadores – não apenas
Lutero, mas seus precursores como Wycliffe, Huss, talvez Savonarola, seus
contemporâneos como Calvino e Zwinglio, e seus sucessores, como Knox. Onde se
perdeu a chama renovadora? Em que momento abandonamos os “cinco Solas” e
adotamos doutrinas questionáveis, muitas até heréticas, como a teologia da
prosperidade, o dominionismo, a batalha espiritual? Por que um evangélico
brasileiro ou americano é tão diferente de um presbiteriano escocês, um luterano
alemão ou um metodista inglês? Por que as igrejas evangélicas parecem prosperar
na América Latina e na África enquanto na Europa templos estão sendo vendidos
para empresas criarem cinemas e teatros?
A resposta não é fácil, nem simples, nem é uma só.
Começo fazendo uma pequena reflexão.
Há evangélicos.
E há protestantes. Peraí... há mesmo? Ainda existe protestante?
Pelo menos aqui no Brasil, ainda existe? Houve algum dia?
Há uma enorme diferença entre esses dois termos. Veja esta breve
explicação, que pode ser encontrada na Internet após poucos “clicks”:
O termo "protestante" é geralmente usado para se referir
às Igrejas oriundas direta e contemporaneamente da Reforma Protestante, como a
Luterana, a Presbiteriana, a Anglicana, a Metodista, e a Congregacional; o
termo "evangélico" é usado para se referir tanto a essas, com exceção
da Anglicana, quanto àquelas indiretamente e/ou posteriormente
oriundas da reforma, como as pentecostais e as neopentecostais.
Existem também igrejas que já existiam antes da reforma protestante, por isso
seria incorreto chamá-las de protestantes. Um exemplo são as Igrejas Batistas
(...) Adeptos dessas também são chamados de protestantes, embora, no
Brasil, por preferência de nomenclatura, não costumem se denominar assim, preferindo
a nomenclatura evangélicos. Todo protestante é evangélico, mas
nem todos os evangélicos são protestantes. (grifos nossos)
Isto deve ser o suficiente para acender uma lâmpada na nossa
cabeça.
Ora, a denominação “protestante” surgiu com Lutero, quando ele se
opôs às práticas vigentes do catolicismo, que foram consideradas
extra-bíblicas, e portanto, se fazia necessário um retorno às práticas
primitivas, dos tempos apostólicos. Lutero e seus apoiadores foram perseguidos
pela máquina católica, e por isso fizeram protestos em nome da liberdade
religiosa e contra a tirania papal.
Dentre as práticas que deveriam ser abandonadas estavam – todos já sabem – a
venda de indulgências (uma espécie de perdão pelos pecados a troco de
dinheiro), as superstições e o misticismo misturados ao culto, a rígida
hierarquia eclesiástica e outras coisas. Lutero e seus apoiadores lutaram
contra isso.
Agora corta para o século XXI. Você entra numa igreja evangélica e nada
de protestante existe ali dentro. Não há imagens de santos nem velas, mas você
tem:
- uma rígida estrutura eclesiástica que além do pastor agora já
tem bispo, apóstolo e até patriarca;
- se você ainda não pode comprar o perdão dos pecados por uma soma
de dinheiro, pelo menos pode alcançar (dizem) a prosperidade financeira, a
saúde física e emocional, o matrimônio, o emprego dos sonhos, se depositar
fielmente e religiosamente uma certa quantia no gazofilácio ou outra coisa para
isso destinada;
- pode também depositar sua fé em objetos mágicos como rosas
ungidas, sabonetes abençoados, vassoura “orada” e travesseiro
consagrado, para não falar de outros tipos de benzeduras mais inusitadas, como
na carteira, no talão de cheques, na chave do carro ou no aparelho genital.
- se preferir, participe de rituais cabalísticos como dar sete
voltas ao redor do seu bairro, ou atirar pedras em gigantes imaginários,
derramar água, sal, vinho ou o que a sua criatividade declarar como profético,
nas encruzilhadas, morros, praias e rios que achar melhor. Benzer a casa com
azeite de oliva também é bem comum hoje em dia.
- a mistura com o mundo é tão clara que, por exemplo, se sua vida
sexual estiver meio fraca, além de abençoar a cueca e a calcinha você pode
adquirir produtos “cristãos” no sex-shop “cristão” para
“apimentar a relação”, assim que sair do “baile funk gospel” ou da
festa junina gospel, ou do Halloween gospel bem
ali ao lado.
Nada mais distante da Reforma Protestante pela qual inúmeros deram suas vidas.
Isso é o evangélico. Não o protestante.
O protestante tem suas raízes fincadas em Wittenberg, naquele protesto
explícito contra heresias; mas sobretudo, está embasado pela Bíblia Sagrada.
Não se deixa enganar por falsas interpretações que contradizem os Evangelhos.
Não embarca em novas revelações, nem em novidades teológicas e modernizações
doutrinárias que extrapolam o ensino apostólico.
O protestante sabe quais são as 95 Teses de Lutero, e embora algumas delas
possam até parecer datadas – pois Lutero não pensava em “cisma” e sim em
reforma – elas são o cerne de uma vida cristã livre e dependente apenas das
Escrituras.
O protestante tem cinco premissas – as “Cinco Solas”:
- Sola scriptura (Somente a Escritura) - a Bíblia tem primazia em relação à
tradição legada pelo magistério da Igreja, quando os princípios doutrinários
entre esta e aquela forem conflitantes. O historiador William Sweet sugeriu que
isso posteriormente originou o direito fundamental de liberdade religiosa, bem
como a própria ideia de democracia.
- Sola gratia (Somente a Graça ou Salvação Somente pela Graça) - a salvação é
pela graça de Deus apenas, e que nós somos resgatados de Sua ira apenas por Sua
graça. A graça de Deus em Cristo não é meramente necessária, mas é a única
causa eficiente da salvação. Esta graça é a obra sobrenatural do Espírito Santo
que nos traz a Cristo por nos soltar da servidão do pecado e nos levantar da
morte espiritual para a vida espiritual.
- Sola fide (Somente a Fé ou Salvação Somente pela Fé) - a justificação é
através da fé somente, pois pela fé em Cristo que Sua justiça é imputada a nós
como a única satisfação possível da perfeita justiça de Deus.
- Solus Christus (Somente Cristo) - a salvação é encontrada somente em Cristo
e que unicamente Sua vida sem pecado e expiação substitutiva são suficientes
para nossa justificação e reconciliação com Deus o Pai.
- Soli Deo gloria (Glória somente a Deus) - a salvação é de Deus, e foi
alcançada por Deus apenas para Sua glória. Acredito que mui poucos
evangélicos conheçam essas declarações.
Muitos pastores evangélicos dizem ser inútil e desnecessário estudar para exercer
o ministério. Bastaria um “dom” ou um “chamado”. Mas os reformadores, ao
contrário, foram pessoas de vasta cultura teológica e humanista: Calvino
estudou em Sorbonne e seu pai era bispo; Lutero foi professor universitário de
teologia; Zwinglio era sacerdote e humanista. Muitos eram professores
universitários, respeitados em sua época, e se correspondiam com os grandes
filósofos seus contemporâneos. Como Erasmo de Roterdam, eles buscaram nas
fontes da antiguidade cristã as bases para uma renovação religiosa. Lendo a
Bíblia e retornando aos Pais da Igreja, descobriram uma visão da fé e uma
doutrina bíblica cristocêntrica há muitos séculos esquecidas. Desafio a
qualquer um enumerar uma lista de grandes pensadores evangélicos brasileiros,
respeitados fora do redil, que não sejam ridicularizados como retrógrados,
pedantes ou tacanhos. Existem, felizmente, mas são poucos.
Neste 31 de outubro de 2017, alguns de nós comemoraram 500 da Reforma Protestante.
Mas muitos nem sabiam do que se tratava. Estavam mais
preocupados com o Halloween, gospel ou não.
Os reformadores, se porventura tivessem uma visão da situação atual, talvez
teriam ganas de voltar à Terra e refazer todo o trabalho, porque vai se
esfarelando a sua preciosa herança.
Nesta estranha classificação entre protestantes e evangélicos, prefiro
ser protestante. Até porque há quem diga que a certidão de nascimento dos
“evangélicos” de hoje está datada em algum ponto dos anos 1950 – e você pode
especular um pouco mais neste link. Mas isto é assunto para outro dia.
Como disse Lutero, “A menos que vocês provem para mim pela Escritura e pela
razão que eu estou enganado, eu não posso e não me retratarei. Minha
consciência é cativa à Palavra de Deus. Ir contra a minha consciência não é
correto nem seguro. Aqui permaneço eu. Não há nada mais que eu possa fazer. Que
Deus me ajude. Amém”.
0 comentários:
Postar um comentário